
São muitos os relatos de escassez de oportunidades no Brasil. Por conta disso, diversos atletas procuram a sobrevivência em outro país, quando conseguem uma oportunidade, motivados pelo sonho de viver do esporte. A Sertão BJJ, equipe com filial gerida por Roney Edler no Kansas, nos Estados Unidos, foi criada por um desejo de mudança, com uma noção total dessa carência que acomete principalmente os atletas do eixo norte-nordeste.
Nascido no Ceará, a chegada na América não poupou Edler das dificuldades. No entanto, ele usou o costume com cenários desfavoráveis a seu favor. Foi assim que ele conseguiu transformar uma academia estruturalmente prejudicada em uma filial de sucesso, com mais de 150 alunos.
Leia abaixo a entrevista completa com Roney Edler!
VF Comunica: Você fundou a Sertão BJJ, uma equipe que coloca as regiões do norte e nordeste em destaque. Fala para a gente sobre as origens da equipe e o que motivou a fundação dela.
RONEY EDLER: Ela vem de um turbilhão de sentimentos. Algumas decepções, situações que acontecem até hoje, envolvendo equipes grandes que fazem escolhas dentro da chamada “panelinha”, deixando as oportunidades sempre para o centro-sul do país, porque a grande maioria das equipes são oriundas dessa região. Eu acho isso errado, pois temos muitos talentos no norte e nordeste do Brasil que não têm as mesma oportunidades. Eles são forçados a deixar a família para trás para tentar, fora de seu estado, viver do esporte. Frequentemente, não conseguem e ficam desamparados. Por isso que fundei a Sertão BJJ, para dar mais oportunidades aos meus alunos e amigos do esporte que fazem parte dessa grande parcela do norte e nordeste do Brasil. Quando saí de Sobral, no interior do Ceará, eu vim morar nos Estados Unidos e falei aos meus alunos que estava indo para abrir portas e fazer a ponte para aqueles que se destacassem nas competições, para aqueles que se mostrassem pessoas boas para a sociedade. Porque esse é o maior trabalho, além de ser campeão nos tatames, é importante ser um campeão na vida. Aos amigos de outras equipes, que ainda não enxergaram o que eu vejo, percebo que muitas academias existem para arrecadar dinheiro, mas na hora de dividir oportunidades, deixam para aqueles que fazem parte da “panelinha”, como falei anteriormente. Hoje, tudo o que faço é reflexo do que eu assisto e escuto do professor Márcio de Deus, ele me mostra através disso que estou no caminho certo e que alcançar voos maiores é uma questão de tempo.
VF Comunica – Conte um pouco sobre a sua carreira no Jiu-Jitsu e qual foi o seu maior aprendizado na prática do esporte?
RONEY EDLER: Comecei a treinar em 1994 através de um amigo que me apresentou o Jiu-Jitsu. Na época, eu era uma pessoa que estava fora do caminho correto, gostava de me envolver em brigas. Então, minha intenção ao entrar no Jiu-Jitsu foi aprender a brigar melhor. Mas, como o Jiu-Jitsu sempre nos leva a caminhos diferentes, foi com ele que aprendi a filosofia de que brigar não leva lugar algum. Mudei minha mentalidade e comecei a treinar e praticar para competições. Ganhei várias medalhas regionais e estaduais, me tornei uma pessoa melhor e isso foi um dos meus maiores aprendizados. Para tudo na vida temos escolhas e o Jiu-Jitsu ensina que nem sempre estamos por cima. Em algum momento a vida vai te dar uma queda e te levar para o chão, é aí que você vai acreditar e se reerguer. O Jiu-Jitsu prepara e molda o praticante para a vida, dentro e fora dos tatames, com vitórias e derrotas.
VF Comunica – Você tem alguns alunos que estão no projeto de desenvolvimento da TMC. Como começou essa parceria?
RONEY EDLER: Tenho dois alunos no projeto UCLA do meu amigo Marcos Cunha: Relrison Freitas e Pablo Araújo. Ambos tinham tudo para caminhar no lado errado, mas meus professores no Ceará acreditaram neles. Foi assim que eles foram levados para o Jiu-Jitsu e se depararam com essas vagas através da Sertão BJJ. Mesmo com poucos recursos, conseguimos mandá-los para Blumenau onde eles hoje treinam no projeto UCLA. Essa parceria surgiu quando eu e o Marcos Cunha fazíamos parte de outra equipe. Hoje nós dois temos nossas próprias bandeiras, mas sempre somando para o Jiu-Jitsu, ajudando nossos alunos a terem melhores oportunidades. Assim, eles conseguem viajar para o outro lado do país, onde acontecem mais competições da CBJJ e IBJJF. As federações acabam fazendo como as grandes equipes, privilegiando uma parte do país. O norte e o nordeste sempre ficam de lado, mas entre os 10 melhores atletas de cada categoria, uma parcela de atletas dessas regiões sempre se faz presente.

VF Comunica – Quais são os planos para a Sertão em termos de expansão da equipe?
RONEY EDLER: Os planos são simples e diretos: oferecer oportunidades por igual a todos que fazem parte da equipe, transformar vidas através do Jiu-Jitsu, agregar para os atletas não só Jiu-Jitsu, mas educação e formação de seres humanos. Um exemplo disso é o curso de inglês que temos em parceria com Tiago Mascarenhas, da Seda College, que oferece cursos aos atletas da Sertão. Com essa parceria contribuímos para a comunidade como um todo. Por último, queremos crescer com qualidade e não em quantidade. A visão da equipe é crescer e somar na vida de cada um que faz parte da equipe, direta ou indiretamente. A equipe é um projeto de vida, quero fazer tudo o que não fizeram por mim quando atleta. Quando digo isso, não significa que eu queria tudo e de mãos beijadas, eu queria oportunidades para poder fazer diferente. Somente Deus sabe a resposta, porque sempre coloquei nas mãos dele. Ele é o escritor da minha história com muitos capítulos ainda não escritos.
VF Comunica – Onde fica a filial da equipe nos Estados Unidos e como foi a mudança para outro país?
RONEY EDLER: A filial aqui nos Estados Unidos fica na cidade de Topeka, no Kansas. Quando cheguei aqui eu sabia o quanto ia ser difícil, mas não imaginava que seria bem mais. A dificuldade permanece por conta do idioma, cultura e comida. Sobre a cidade onde funciona a academia, não era exatamente o que planejamos, eu e minha esposa, que também é uma peça importante de todo o processo. Nós recebemos uma proposta quando cheguei aqui porque nunca fiquei esperando acontecer, sempre corri atrás. Em visitas e seminários, em academias diferentes da linhagem antiga equipe, surgiu a proposta de assumir e fazer acontecer em uma academia com poucos alunos e de estrutura precária. Como um bom batalhador nordestino, movido por desafios, eu topei e me dediquei ao máximo. Com a ajuda da minha esposa, passamos de uma academia quase fechando as portas por falta de alunos para uma academia bem estruturada e bem vista na cidade. Em menos de um ano, saí de 25 para 150 alunos.

VF Comunica – Em termos de oportunidade no Jiu-Jitsu, como você define a estadia na América?
RONEY EDLER: Aqui é um lugar que lhe cobra muito, mas também oferece mais oportunidade de crescimento dentro do esporte. Temos menos material humano e mais estrutura para treino, suplementação, além de outros fatores necessários para um atleta. Sem contar que somos mais valorizados através do esporte. Assim conseguimos melhores condições para a nossa família que ainda vive no Brasil. Nossa vida melhorou bastante aqui também.