
Ex-lutador de Vale Tudo e MMA, faixa-preta de Jiu-Jitsu com mais de duas décadas de experiência, Felipe Nilo vem desenvolvendo um trabalho diferenciado na comunidade do esporte. Ao longo dos anos, Felipe se especializou no ensino da arte marcial para pessoas do espectro autista. Com boa resposta, a missão inclusiva se expandiu, abrangendo grupos com outros tipos de deficiência.
No final de setembro, Felipe Nilo lançou o livro “A importância do Jiu-Jitsu e das Artes Marciais para Crianças e Adultos com Autismo”, uma publicação que reúne o conhecimento do faixa-preta adquirido com anos de estudo e especializações.
Em entrevista ao VF Comunica, Felipe contou que o primeiro contato dele com as artes marciais aconteceu no Judô, quando ele tinha seis anos de idade. Para complementar a prática, aos 12 anos, Felipe foi introduzido no Jiu-Jitsu. A compatibilidade com a luta de chão foi tão grande que Nilo virou lutador profissional com o passar dos anos, passando pelo Vale Tudo e MMA.
“Eu me mudei para o Rio de Janeiro depois da minha primeira luta de Vale Tudo. Cheguei no estado só com uma mala de roupas, morando no fundo do depósito de bebidas, dentro da universidade. Cheguei a passar fome, literalmente. Depois disso comecei a me destacar no cenário, no MMA, treinando na Team Nogueira na época com o Anderson Silva, Rodrigo Minotauro, Rogério Minotouro, a elite da época de ouro do MMA.”, detalhou Nilo, que encerrou a carreira nas artes marciais mistas com 10 lutas e nove vitórias.
Quando voltou a dar aulas de Jiu-Jitsu depois de adversidades, Felipe Nilo descobriu uma vocação
Em 2013, depois de uma crise que levou ao corte dos patrocínios que recebia como atleta, Felipe teve que voltar a dar aulas de Jiu-Jitsu por necessidade. Um encontro imprevisível, no primeiro dia de seu retorno como professor, fez com que Felipe ficasse diante da situação que lhe deu um novo direcionamento de carreira. O que começou como uma questão financeira virou um objetivo de vida.
“Eu dou aula para crianças desde os 15 anos de idade, quando não tinha dinheiro para pagar a mensalidade da academia. No dia que eu voltei a dar aulas, eu me deparei com um autista no grupo, mas era um autista nível de suporte 3, bem difícil de trabalhar. Eu não consegui fazer nada, me senti um faixa-branca entrando na final de um Mundial contra o (Marcus) ‘Buchecha’. Quando cheguei em casa, frustrado, procurei artigos sobre autismo e descobri que o Jiu-Jitsu poderia auxiliar o desenvolvimentos das pessoas autistas. Quando procurei referências me decepcionei, não existia ninguém, no Brasil e no mundo, que desenvolvesse um trabalho voltado para o autismo através das artes marciais.”, contou.
No desenvolvimento do trabalho de inclusão, o faixa-preta se deparou com preconceitos
Na falta de uma referência, Felipe Nilo se transformou em uma. Ele se define como um desbravador quando começou a atuar na área, alguém que precisou dirimir preconceitos, lidar com falta de apoio e combater ideias equivocadas a respeito do impacto das artes marciais na vida dos praticantes. O trabalho com pessoas com deficiência, com foco maior no espectro autista, se transformou em uma estrutura de ensino de verdade, com reconhecimento pelo Ministério da Educação.
“O nosso foco é o autismo, mas trabalhamos com casos de síndrome de down, paralisia cerebral e síndromes raras. Além do atendimento direto com crianças, jovens e adultos, nós ministramos cursos, palestras e formações. Nossas formações são reconhecidas pelo Ministério da Educação, através da universidade UNIFATEC, o que de fato agrega um valor muito grande ao currículo dos profissionais. São mais de três mil professores formados em todos os estados do Brasil e em 42 países.”, explicou Felipe Nilo.

Convencer com resultado, mostrando na prática que o Jiu-Jitsu funcionou dentro dessa proposta de inclusão, foi uma tarefa que exigiu bastante resiliência por parte de Felipe. Ele conta que, dentro da área de saúde, a agressividade era uma característica sempre relacionada com a prática de luta. Uma convicção injusta que ele eliminou com conhecimento.
“Muitos médicos e terapeutas criticavam, associavam as artes marciais com agressividade e violência. A primeira barreira que precisei quebrar foi mostrar para a área médica, para a área da saúde, que as artes marciais podem ser sim um complemento terapêutico. Depois, foi com as próprias entidades esportivas, que diziam que o trabalho desenvolvido era tudo, menos luta. Eles não entendiam que estávamos olhando além da técnica. Eu percebi isso com muito estudo, depois de muitas capacitações, conquistando os profissionais de saúde não pelo grito, mas pelo conhecimento. Participo hoje dos maiores eventos científicos do Brasil ao lado dessas pessoas, que são hoje meus amigos. É gratificante ver um professor de Jiu-Jitsu tendo voz, conseguindo mostrar o esporte de outra percepção para a comunidade em geral.”, declarou o faixa-preta.