O treinamento de Jiu-Jitsu sempre foi rodeado por uma série de polêmicas, principalmente por conta de uma concepção cultural moldada ao longo dos anos. No entanto, com a profissionalização do esporte e com a adesão cada vez mais ampla de praticantes diversos, tornou-se necessário um olhar mais cuidadoso e responsável com relação às especificidades de um treino de Jiu-Jitsu, o que inclui, além do treino por si só, preparação física e nutrição. Itallo Vilardo, uma autoridade na preparação física de atletas de alto rendimento, aborda temas interessantes e controversos, ainda presentes na rotina de atletas que investem em competições.
Leia a entrevista completa abaixo!
VF COMUNICA: Itallo, o treino de Jiu-Jitsu ao longo dos anos sempre foi polêmico, com muitos métodos diferentes de aquecimento, até mesmo com relação ao treino de Jiu-Jitsu em si. Como você trabalha dentro dessa cultura de entendimento?
ITALLO VILARDO: O que mais atrapalha o Jiu-Jitsu é a cultura na qual ele foi desenvolvido. Muita gente se satisfaz em somente fazer o que o professor fazia quando ainda era um aluno, só reproduzindo conhecimento, sem saber o porquê daquilo ou como aquilo poderia evoluir, era assim: meu professor fez comigo, eu faço com meu aluno, sem quebrar essa corrente. Os métodos de treino evoluíram muito e a formação na academia juntamente com a experiência de anos no tatame ajuda muito. Baseando-se nisso, vamos conversar com os alunos e professores para mudar essa visão e ir aplicando uma metodologia mais moderna e eficiente.
VF COMUNICA: Ainda dentro do contexto da pergunta anterior, é comum alongar e aquecer com corrida, por exemplo, antes de colocar as posições em prática. O que você apontaria como prejudicial nesse tipo de método?
ITALLO VILARDO: Mais uma coisa que não evoluiu. Alongamento mesmo, ele por si só não é aquecimento, pode até contribuir para lesão. O objetivo do aquecimento é aquecer! E não cansar. Quanto mais específico e direcionado for o seu aquecimento, melhor vai se desenvolver o resto do treino. Utilizar o aquecimento para preparar o corpo para a atividade pretendida, com movimentos do próprio esporte. Até mesmo para uma competição; muito atleta alega que não consegue aquecer na competição e acaba fazendo isso na primeira luta; e se perde? Vai embora sem ter lutado de fato. E isso se deve por erradamente criarmos um padrão de aquecimento tão forte nos treinos que na competição não conseguimos reproduzir. O correto é que nosso aquecimento seja meio que padronizado para deixar o mais perto possível da mesma maneira que se possa aquecer na competição.
VF COMUNICA: Como você definiria a importância da preparação física, à parte do treino específico de luta, para o atleta de alto rendimento?
ITALLO VILARDO: Ela é um complemento fundamental para qualquer praticante, e vai ser exigida de acordo com o nível (profissional ou amador, competidor ou não). Muita gente acha que precisa competir para fazer preparação física, e não é por aí. A preparação física acima de tudo prepara e protege o seu corpo para o treino, te dando mais bases para o treinamento da luta, prevenindo lesões, controlando o peso. Um erro muito comum do atleta é que, ao se machucar, interrompe a preparação física. É nesse momento que ele mais precisa dela.
VF COMUNICA: Sparring de 20 minutos para uma luta de no máximo 10 minutos. Como você enxerga essa prática?
ITALLO VILARDO: Perda de tempo! Você não se condiciona para lutar 10 minutos treinando 20 minutos. Treinar 20 minutos te condiciona para uma luta desse tempo. O ritmo é totalmente diferente, a intensidade é diferente. Todos os atletas que eu preparei para uma superluta, baseamos o treino exatamente para o tempo da luta. Com controle de tempos de ação e descanso. Fazendo com que ele estabeleça um padrão fisiológico para explodir e recuperar durante o tempo em que a luta durar. Mesma coisa para uma competição. Muitos atletas fazem de 8 a 10 rolas no treino e se sentem bem, mas chegam em uma competição e morrem na segunda luta, justamente por terem treinado uma coisa para competir em outra. O ritmo é diferente, a intensidade é diferente. Se você vai fazer quatro lutas em uma competição, o seu treino de luta deve consistir em três a cinco rolas, com intensidades variadas e com controle do tempo do intervalo, pois só geramos intensidade tendo intervalo.
VF COMUNICA: Para o atleta iniciante, que pretende render mais nas competições, qual é o primeiro passo?
ITALLO VILARDO: Se inscrever em uma academia que tenha o mesmo perfil que ele quer e já ir organizando tudo que pode agregar nos seus resultados, como preparação física e nutrição. Jiu-Jitsu, como todo esporte, é investimento. O atleta às vezes pensa em lutar tudo que vê pela frente e esquece de investir no que vai dar a base para ele. Muitas vezes com o valor que ele gasta em uma competição (incluindo viagem, hospedagem, alimentação, etc.) ele paga três ou quatro meses de preparação física e nutrição, o que vai trazer muito mais benefícios a ele.
VF COMUNICA: Como você trabalha o Jiu-Jitsu dentro da sala de musculação?
ITALLO VILARDO: A especificidade vem do controle das valências físicas que a modalidade demanda e do que o atleta precisa para a forma de lutar dele. A partir daí se toma o cuidado de trabalhar o padrão sinérgico (movimento) da luta, onde o Jiu-Jitsu se caracteriza por ter um sinergismo único. Além, é claro, dos treinos funcionais específicos, direcionados para a forma do atleta lutar. Balançar corda, girar pneu e saltar caixa não são nem de longe exercícios funcionais.