A prática esportiva como um todo, que acaba por formar atletas que dedicam uma vida às suas carreiras, é muitas vezes a saída para jovens sem perspectivas de um futuro melhor. Com o Jiu-Jitsu, apesar de ainda não ter o reconhecimento que merece, não é diferente. Délio Lima, um propagador da Arte Suave em Salvador, na Bahia, é a pessoa ideal para falar do potencial transformador da modalidade na vida de crianças e jovens em situação de vulnerabilidade.
Em entrevista ao VF Comunica, Délio, hoje formado em gestão pública, estudante de direito e faixa-preta de Jiu-Jitsu, contou como transformou um projeto modesto de Jiu-Jitsu em instrumento eficaz de mudanças de diversas vidas, inclusive a dele.
“Tudo começou dentro de uma garagem apertada, aqui no bairro de Valéria, na periferia de Salvador. O espaço era cedido por um morador mas, após um ano, a casa foi vendida e tivemos que sair. Sem condições de pagar aluguel ou cobrar mensalidades, a solução que encontrei foi colocar o tatame na rua. Organizamos uma feijoada, juntamos dinheiro e compramos nosso primeiro tatame. Naquela época, na garagem, nós treinávamos em um tapete com uma lona por cima. Então, a conquista foi enorme. A rua se tornou nosso novo dojo e a comunidade, nossa família. As dificuldades eram muitas: falta de estrutura, sol, chuva, tudo testava nossa perseverança, mas o sonho de transformar vidas através do Jiu-Jitsu nos impulsionava.”, revive, em detalhes, a realidade do início de tudo.
A jornada de Délio no Jiu-Jitsu iniciou-se por conta do estímulo de um amigo, um faixa-azul do esporte. Os treinos duros com ele incentivaram Délio a continuar naquele universo fascinante da luta que ele até então não conhecia. Através do amigo, ele conheceu Gustavo Assis, que introduziu o jovem Délio à parte mais sólida e técnica do Jiu-Jitsu. Na busca por aprimoramento ao longo dos anos, Délio chegou à faixa-preta, amarrada na cintura pelo mestre Ricardo Carvalho, com o qual mantém até hoje o vínculo de treinos.
Suporte de apoiadores foi fundamental para a longevidade do projeto
Ao longo do tempo, enquanto tentava estabelecer o projeto no terreno insólito das ruas de Salvador, Délio Lima deu muito valor aos apoios que obteve durante a caminhada. Sua iniciativa, que não enfraquecia diante das adversidades, cativou parceiros que, com o suporte adequado, fizeram com que o projeto pudesse avançar com passos ainda mais largos.
“Rodrigo Minotauro, Gustavo Dantas, Exclusive Jiu-Jitsu e o Jiu-Jitsu na Estrada foram apoiadores que nos ajudaram a tornar real esse sonho. Lembro emocionado do dia em que recebemos 70 kimonos da Koral. A alegria das crianças era contagiante. Choramos de felicidade, pois a generosidade da Exclusive Jiu-Jitsu nos proporcionou algo que parecia impossível. O mestre Gustavo Dantas, da Tribe Jiu-Jitsu, também foi fundamental para realizarmos um dos nossos maiores sonhos: levar um aluno para competir fora da Bahia. Melquisedeque Moura, fruto do nosso projeto, se tornou campeão em Abu Dhabi, mostrando que a periferia também é celeiro de talentos. O Jiu-Jitsu na Estrada fez um vídeo aqui no projeto que viralizou e chegou a todos esses amigos que citei acima. Sem a ajuda deles, seria impossível continuar.”, revela, reconhecendo que, apesar do excesso de vontade, nem sempre conseguimos conceber transformações sozinhos.
O atleta mencionado por Délio, Melquisedeque Moura, é hoje um faixa-roxa de Jiu-Jitsu sob as instruções de Rodrigo Feijão, faixa-preta que ministra aulas em Maringá, no Paraná, formador de campeões do calibre dos irmãos Diego e Alex Sodré. Apresentado ao Jiu-Jitsu na periferia da Bahia, pelas mãos de Délio, Melquisedeque tem hoje, além do título do World Pro da AJP Tour, o ouro do Sul-Americano e a terceira colocação no Mundial No Gi, ambos da IBJJF, um dos torneios de grappling mais disputados do mundo.
A vida de Délio Lima também se transformou depois de dedicação integral ao Jiu-Jitsu
Além de se sentir atuante na vida de jovens educados no tatame, Délio Lima se viu em um lugar participativo dentro da própria sociedade. Uma posição que o colocou diante de portas, como a coordenação de um centro esportivo da prefeitura, que jamais seriam abertas não fosse o Jiu-Jitsu.
“O Jiu-Jitsu não só me proporcionou momentos incríveis, mas também me deu a oportunidade de contribuir para a minha comunidade. Em um passado recente, eu estava desempregado, dando aulas na rua e sonhando com um futuro melhor. Hoje, sou coordenador de um centro esportivo da prefeitura e posso ampliar o alcance do projeto e oferecer diversas modalidades esportivas, atendimento psicológico, acesso à biblioteca, teatro e muito mais. É a realização de um sonho que começou em uma garagem com um tatame improvisado. A cada conquista, lembro das dificuldades superadas e da força da comunidade que nos abraçou. Minha missão agora é levar esse projeto para outras comunidades, pois acredito que o Jiu-Jitsu tem o poder de mudar vidas e construir um futuro mais positivo para as crianças e adolescentes da periferia.”, conclui, ainda adepto da missão de inspirar e provar que o mundo pode sim ser um lugar melhor.